Mariana Valente

Combinando pinturas, objetos do mundo real, imagens e coisas efêmeras em uma única obra, a colagem questiona diretamente a tendência de separar as belas-artes dos objetos do cotidiano.

Mariana Valente é uma artista visual e designer gráfica carioca que usa os recortes para ressignificar o mundo em que vive em projetos pessoais, exposições e intervenções artísticas. “Trabalho a colagem de forma manual, digital e cada vez mais tenho sentido vontade de explorar novos suportes com objetos garimpados. Amo a espontaneidade e a liberdade que a colagem proporciona”, conta a artista.

Quando era pequena, Mariana estudou numa escola onde vivia uma cabra. “Eu nunca tinha visto uma cabra de verdade e fiquei encantada. Comecei a levar comida de casa e passava o dia observando e alimentando a bichinha”, conta a artista. O cercado ficava atrás de um galpão onde aconteciam aulas de artes. Como Mariana passou a fazer visitas regulares ao local, o professor convenceu Mariana a participar das suas aulas. “Ele estava montando um projeto com sucata e eu fiquei fascinada com a transformação produzida por aquele trabalho. Foi a primeira vez que vi um material aparentemente sem valor ser ressignificado”, explica Mari. A partir daquele momento, ela passou a ficar atenta e em busca de possíveis ‘’achados’’ inesperados para colecionar e transformar.

Hoje em dia, a artista costuma frequentar sebos e feiras de antiguidade em busca de inspiração, livros, fotografias, correspondências e pequenos objetos de pessoas desconhecidas. “Acredito na carga emocional desses materiais esquecidos no tempo e tenho como tema de trabalho favorito a memória inventada e subjetividade feminina”, explica a artista que trabalha a colagem de forma manual e digital. 

O processo criativo da artista é muito intuitivo, desde a seleção do material, até a forma como recorta e procura os encaixes. “Gosto de não forçar muito a barra, mas às vezes um corte brusco é necessário. Tem colagens simples que levam semanas para terminar e colagens complexas que resolvo em poucas horas, ou seja: a colagem pulsa e tem vida própria. Gosto de acreditar que as imagens que escolho também me escolhem, a vida tem desses mistérios”, filosofa.

Quais artistas a inspiram? “Frida Kahlo e sua capacidade de transformar dor em beleza, Clarice Lispector e sua entrega à sensibilidade, Stanley Kubrick e sua dedicação com trabalho e estética, Bebel Franco com seu universo de cores fantásticas, Magritte e seus múltiplos sentidos, entre muitos outros criativos maravilhosos!” Falando em Clarice Lispector, o talento corre nas veias: Mariana é neta da famosa escritora.

E a sua obra já se uniu à da sua avó. Em 2016 e 2017, a colagista criou ilustrações para o relançamento de dois livros célebres de Clarice Lispector: A paixão segundo G.H. e A mulher que matou os peixes. O segundo livro trouxe inclusive a reprodução da dedicatória que a autora fez aos filhos e aos netos ainda não nascidos. De acordo com Mariana, essas ilustrações nasceram a partir de colagens afetivas, “materiais nostálgicos que são relíquias carregadas de história e afeto”. O trabalho é belíssimo!

Quando perguntada sobre a diferença entre trabalhar com a produção de objetos, produção expositiva e projetos gráficos, a artista explica que a maior diferença está no suporte onde o trabalho acontece, mas que o processo para qualquer novo projeto é mais ou menos o mesmo. “Se eu já tenho uma ideia do que quero fazer, saio em busca do material (manual ou digital), seleciono as imagens, em seguida entra o processo de recorte e busca pelos encaixes. Sempre fotografo essa parte do processo, porque me ajuda a perceber espaços e falhas a corrigir. A última fase é colar e unir as partes. Mas normalmente os encaixes claricianos me tomam mais tempo”

Mariana acredita que o trabalho artístico é uma necessidade básica para todos aqueles que sentem muito. “A nossa existência, as questões da feminilidade, as perguntas sem respostas e os medos silenciosos são fontes inesgotáveis de inspiração. Apesar de não imprimir no meu trabalho, tenho tendência a flertar com questões do inconsciente. Acho que podemos aprender bastante com o desconforto existencial, pode ser saudável se for transformado em trabalho”. 

Atualmente, Mariana oferece oficinas de colagem para organizar e dividir suas investigações colagísticas em São Paulo, onde vive. Como dica para artistas que querem ingressar  na arte da colagem, Mariana é direta: “Transforme suas inquietudes em trabalho. Se permita ser imperfeita, ter medos e incertezas. Na arte não existe certo e errado, existe o que você escolhe ou autoriza deixar sair”. Arte é isso!

Mila Petryartistas3 Comments