Corita Kent: freira, artista pop e ativista
Transformar arte e amor em esperança e justiça: essa foi a missão de Corita Kent, freira e artista americana que se tornou uma voz poderosa em prol do ativismo social no século XX.
Frances Kent (1918-1986) tinha 18 anos quando se tornou freira, um destino muito comum para as meninas pobres da época. Irmã Mary Corita foi o nome que ganhou ao entrar na congregação Imaculado Coração de Maria, em Los Angeles. Desde criança ela se sentia atraída por design e desenho criativo, por isso, já no convento fez faculdade para ser professora de artes. Como artista, queria que o seu trabalho fosse acessível e amplamente disponível a todos, por isso escolheu a serigrafia como técnica de trabalho. Ela pensou que seria um bom método para ensinar aos seus futuros alunos.
A congregação era bastante progressista, o que deu a ela espaço para a sua expressão artística. Corita se tornou chefe do departamento de arte da faculdade do convento e ali, sob sua liderança, criou-se um viveiro da contracultura. Em 1962, levou um grupo de alunos para ver uma exposição de Andy Warhol. Foi um verdadeiro turning point. A visita teve um imenso impacto na forma como Corita produzia suas peças. Dizem que quando a artista saiu desta exposição comentou que começou a ver tudo através dos olhos de Warhol, "ele está nos dizendo como é a vida dele. Talvez precisemos de algo para nos abalar um pouco". Anteriormente, seu trabalho era focado na vida espiritual. A apropriação inovadora de Warhol das latas de sopa Campbell a inspirou a começar a usar a cultura pop como fonte de material nos seus trabalhos.
Inspirada por novas ideias, a artista convocou seus alunos e outras freiras a criarem uma fábrica de serigrafia no estilo Warhol dentro do convento. Ela compreendeu que a cultura do consumo era o que as pessoas mais podiam entender naquele momento. Seu trabalho evoluiu de figurativo e religioso para incorporar imagens publicitárias e slogans, letras de músicas populares, versos bíblicos e literatura. Ao longo dos anos 60, seu trabalho se tornou cada vez mais político, chamando a atenção das pessoas para a pobreza, o racismo e a injustiça.
O trabalho de Corita se tornou tão popular que trouxe a ela o contato com figuras como o cineasta Alfred Hitchcock, o compositor John Cage, o arquiteto Buckminster Fuller e os designers Charles e Ray Eames, que se tornaram seus amigos íntimos. Seu trabalho se tornou tão famoso que em 1967, ela foi capa da revista americana Newsweek.
Em 1968, após uma série de conflitos com um cardeal conservador que convocou freiras para refrear suas manifestações políticas e que chamou seu trabalho de estranho e sinistro, Corita deixou a igreja para seguir uma carreira de artista em tempo integral e educadora de artes. A ordem religiosa também rompeu com a igreja dois anos depois, reformando-se como comunidade leiga ecumênica, o Imaculado Coração de Maria.
Corita criou centenas de trabalhos de serigrafia como pôsteres, murais e capas de livros. Seu trabalho incluiu selos para o serviço postal dos Estados Unidos e o Rainbow Swash, a maior obra de arte do mundo, cobrindo uma área de 46m de largura de um tanque de gás natural em Boston.
Uma característica interessante do trabalho de Corita Kent sempre foi o aspecto democrático, tanto na forma como era montado como também na forma como foi precificado e difundido no mundo. Suas impressões era vendidas por meio da Comunidade do Coração Imaculado por apenas 50 dólares. Nenhuma das suas edições é numerada individualmente porque ela não queria criar uma hierarquia entre diferentes versões da mesma impressão.
De 1970 em diante, seu trabalho evoluiu para um estilo mais esparso e introspectivo, influenciado por viver em um novo ambiente e por batalhas contra um câncer. A artista permaneceu ativa em causas sociais até sua morte em 1986. Ao final da vida, Corita havia criado quase 800 artes em serigrafia, milhares de aquarelas e inúmeras encomendas públicas e privadas. Em 2018, Los Angeles declarou a data de aniversário da artista, 20 de novembro, como o Dia Corita Kent, em homenagem às suas contribuições para a cidade (Boston fez a mesma homenagem a ela em 2015).
Entre as lindas frases retratadas nas suas obras, a artista escreve: “O amor está aqui para ficar. E isso é o suficiente”. Viva Corita, viva a arte!