Vitrine: janela para o mundo particular de uma marca
Montar uma vitrine é como contar uma história e existem várias formas de fazer isso. Muitas vezes, a vitrine é o primeiro contato do cliente com uma marca, por isso representa um momento decisivo - em uma fração de segundo a pessoa pode ser levada a parar, se encantar e tomar a decisão de entrar na loja. Mas como fazer essa mágica acontecer?
Uma das figuras mais célebres do mundo do vitrinismo foi Leïla Menchari, responsável pela criação das vitrines da marca Hermès entre 1977 e 2013. Em uma entrevista à Vogue Arabia, Leïla contou que certa vez montou uma vitrine simples, sem quase nada. “Uma praia, um recife esculpido em mármore branco que parecia uma onda, um par de óculos de sol e um maiô. E mandei borrifar o perfume Eau d'Orange Verte na rua. A reação inicial do dono da Hermes, foi: ‘Mas, Leïla, não há nada lá!’. Em seguida, ele viu uma senhora que passava inalar o cheiro e disse a essa senhora: ‘Respire, madame, respire’... Com isso ela foi atraída pela minha história e logo havia uma multidão ali. A chave é ser capaz de evocar coisas que toquem as pessoas, expressando-as de maneiras diferentes”, contou Leïla.
Para entendermos mais sobre o universo fascinante do vitrinismo e a sua importância pro mundo da moda, nós batemos um papo com Diva Costa, professora das áreas de produção de moda, vitrinismo, visual merchandising, fashion film e estamparia manual.
• Diva, o que é o Visual Merchandising?
Visual Merchandising é uma área que cria estratégias visuais e de experiência, para promover a venda. O VM atua desde a fachada da loja, na vitrine, até a disposição dos produtos pra que sejam exibidos da melhor forma, estimulando o interesse do público. Além disso, o VM atua também nos provadores, no treinamento da equipe de vendas e no caixa - o momento crucial em que os clientes concretizam a compra. Todos os momentos da trajetória de um consumidor dentro de uma loja são importantes para o VM. O grande objetivo é criar uma experiência agradável, fazendo com que as pessoas permaneçam na loja, vendo as novidades e consumindo os produtos. Atualmente, o VM está sendo ampliado para o meio digital também, já que devido à pandemia muitas marcas migraram para o comércio digital.
• Qual a importância da vitrine para a identidade e comunicação da marca?
A vitrine é o “cartão de visita” de uma loja. Parece clichê, mas é a pura verdade! É na vitrine que podemos criar uma comunicação entre a marca e o cliente, por meio da composição dos produtos, das cores utilizadas, da decoração... Tudo isso faz parte da comunicação visual e é capaz de contar uma história que fará o cliente querer entrar na loja e querer ver mais. Muitas pessoas, inclusive, querem comprar exatamente o “look” que está na vitrine, ou querem fazer parte daquele momento. A maneira como exibimos os produtos traz informação para o cliente sobre como usar aquelas peças de roupas, e a decoração, muitas vezes, reforça isso, cria um encantamento que quase transporta o cliente para aquele momento, despertando assim o desejo de fazer parte daquilo ali.
• O que é preciso para se tornar um profissional de vitrinismo?
Hoje em dia, aqui no Brasil, existem cursos de aperfeiçoamento em visual merchandising e vitrinismo. Não há faculdade de visual merchandising, mas há esses cursos livres. Geralmente quem escolhe o VM são estudantes de design de moda, pois se identificam com a área e se especializam com cursos específicos. Até pouco tempo, (ouso a dizer que até hoje, em alguns casos) as empresas achavam que qualquer pessoa “com bom gosto” poderia fazer uma vitrine. Mas não é bem assim. Existem técnicas de composição, estratégias de marketing e comportamentos de consumo que precisam ser estudados por todo bom profissional. Uma vitrine não é somente um espaço bonito, mas um recurso que tem funções específicas ligadas diretamente ao sucesso do negócio. E há ainda vitrinistas que dominam técnicas de montagem de cenografia e manipulação de materiais. Então, na hora da montagem da vitrine em si, pode haver uma equipe com profissionais de características distintas, alguns mais técnicos, outros mais “mão na massa”, mas todos super estratégicos.
• Qual é o pulo do gato na hora de criar uma vitrine?
Entender a marca, o cliente, e saber a melhor forma de exibir um produto. A vitrine precisa ser o reflexo da marca, tem que exprimir a sua identidade e o seu propósito. Ao mesmo tempo, a vitrine precisa se comunicar com o cliente, então é preciso ter uma visão clara de quem é o consumidor daquela loja. Em alguns momentos, as vitrines de uma mesma rede podem ser diferentes de acordo com as preferências do público de cada região. Além disso, estudar teorias de percepção, semiótica, design e cor é fundamental para se fazer uma composição que permita criar um ponto focal e apresentar uma linguagem clara com o receptor, no caso, o cliente.
• Qual a relação do vitrinismo com outras formas de arte?
As vitrines começaram a se revelar importantes ferramentas do varejo a partir do momento que começaram a se unir com a arte. No início do século XX, muitos artistas plásticos eram convidados a fazer vitrines para grandes lojas europeias, chamando a atenção de quem passava pelas calçadas e despertando o interesse para entrar nas lojas.
Parcerias com diferentes profissionais é fundamental até hoje! E atualmente o ritmo é tão dinâmico, tudo muda tão rápido, que precisamos formar parcerias com artistas plásticos, cenógrafos, designers de estampas, entre outros profissionais, para podermos realizar novas criações. Sou sempre a favor do intercâmbio de ideias para fortalecer um projeto. Não sabemos de tudo! Portanto, é muito importante contar com outros profissionais para se criar algo incrível.
• Qual a ligação entre VM e a estamparia?
A ligação da vitrine/visual merchandising com a estamparia, é importantíssima! Em coleções de moda, principalmente de marcas brasileiras, a estampa é algo marcante. É primordial que o visual merchandiser trabalhe com as cores e elementos que estão presentes nas estampas para criar uma unidade na comunicação visual. Usar peças lisas nas mesmas cores das estampas é uma forma de criar looks que alinhem o visual das vitrines com o interior da loja. Coordenados de estampas também podem ajudar a criar looks interessantes, mas é importante ter cuidado para não gerar uma “poluição visual”, com muitas informações. Às vezes, os elementos das estampas por si só podem inspirar decorações que irão reforçar a história a ser contada por uma coleção. O vitrinista precisa estar em contato com a equipe de criação/desenvolvimento de produtos desde o primeiro momento, pois eles irão compartilhar ideias e inspirações que ajudarão a criar uma identidade visual importante para cada momento da loja.
Falando em estamparia e vitrine, quem faz um belo trabalho unindo esses dois elementos e explorando a potência do Visual Merchandising é a Farm. “Quanto mais sentidos são agregados às expressões da marca, maiores chances dela ficar na memória das pessoas. Mais que um cheiro gostoso ou uma música da moda, a experiência deve comunicar a marca, em um ou mais níveis... E, uma vez que um universo da marca é criado, ele pode passear por aí, levando-a para onde ela quiser”, afirma André Carvalhal, ex-diretor de marketing da Farm no seu livro A moda imita a vida: como construir uma marca de moda.
Viu só como o vitrinismo é importante no mundo da moda? E, como todas as outras áreas desse universo, requer muito estudo. “O trabalho do vitrinista é dirigir, decifrar o belo no menor objeto, dar um papel que o coloque sob os holofotes, como uma estrela. Atraio os olhares de quem passa e desejo nutrir esse olhar com a sensualidade dos materiais e com uma bela história", disse a brilhante Leïla Menchari.
Sobre a entrevistada
A professora de Visual Merchandising Diva Costa é apaixonada por vitrines. Depois de se formar em Design de Moda, mergulhou no universo do styling, produção de eventos e cenografia ao trabalhar para diferentes marcas. Desde 2012, Diva tem se dedicado exclusivamente a dar aulas nas áreas de produção de moda, vitrinismo, visual merchandising, fashion film e estamparia manual: ama dar aula, ensinar e aprender com os alunos. Entre as suas façanhas profissionais está uma viagem para a Rússia em 2019 para acompanhar uma aluna do SENAI e “atleta olímpica” ao Worldskills - maior competição de educação profissional do mundo. No ano que vem, Diva vai novamente acompanhar o representante brasileiro nessa disputa que, dessa vez, será em Xangai.
divalucosta@gmail.com
@eudivacosta